O infinito de pé é um brinde numa taça / Dois buracos na cueca devorados pela traça /Os pneus da bicicleta subindo a ladeira / São os seios da Brigite pra fora da banheira (Andre Abujamra)

5 de janeiro de 2007

Paixão nacional

Terça feira, 18h. O sol ainda está com fôlego. Uma pelada estava para acontecer no meio da rua. Um campo de asfalto, dois gols feitos com chinelos, uma bola de couro velha e três jogadores cada lado. No campo não tinha torcida, também pudera, já que a rua estava impedida para o jogo. Aos pedestres – que tinham coragem de passar por perto- restavam as calçadas. Os atletas tinham entre 10 e 14 anos.
Chuteira ou tênis eram um luxo. Mas isso não fazia a diferença, a sola do pé era grossa e o asfalto já estava frio.
Depois de passar um vendedor de churros em um Kombi, a bola foi colada ao centro. Um tradicional “par ou impar” decidiu quem ficaria com a posse: foi o time “sem camisa”. A pelota começou a rolar acompanhada de gritos e caneladas. O atacante driblou, em poucos segundos, dois jogadores. O último garoto ficou a frente do pequeno gol que não tinha mais do que um metro de comprimento. Uma ameaça de chute forte fez o último menino fechar os olhos e se encolher. Nesse meio tempo, o ligeiro atacante colocou, com classe, a bola para dentro do gol. O time “sem camisa” vencia por 1x0.
Bola no meio de campo novamente e o time “com camisa” parte para o ataque. O jogo é interrompido por uma mulher gorda e sisuda que carregava sacolas de supermercado. Os jogadores ficam imóveis em suas posições. A mulher passa e o jogo segue. O atacante do time “sem camisa”, dribla um e passa a bola adiante, mas ela é interceptada pelo adversário que chuta com força para frente. A bola bate em um muro e cai na guia. Um deles se aproxima da bola, mas se recusa a chutar. O jogo pára de novo. O problema agora é que a bola caiu em cima de um monte de merda de cachorro. Depois de lavada com uma mangueira e esfregada de encontro com árvore seca e de tronco grosso o jogo volta.
O zagueiro do time sem camisa - o mais novo da equipe - começa a reclamar que não recebe passes. Ninguém dá importância. Depois de alguns minutos e ameaças de ir embora ele decide sair de campo. Retira seus chinelos – que sinalizavam um dos gols-e vai para casa. Há pedidos para que fique e promessas de que seriam feitos mais passes ao “ dono do gol”. Sem acordo e sem mais chinelos o jogo termina às 18h20. O time “sem camisa” vence e o campo volta a ser apenas uma rua suja e esburacada.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Foi a coisa mais legal que eu li nos últimos tempos. Lembrou muito um cronista que eu adorava, o Fernando Sabino. Na verdade, tens uns toques de Rubem Braga também. Eu gosto muito de textos assim, despretensiosos, mas reveladores. Esta crônica é uma espécie de mergulho na alma do cotidiano. Muito boa. A gente lê com prazer e viaja pela memória.

6/1/07 00:18

 
Blogger Henry Villela said...

Generosidade sua Cris.

6/1/07 02:13

 
Anonymous Anônimo said...

Porra, gostei muito disso cara.
Parece que era um cena da minha infância. Não esqueça do nosso encontro blogueiros!! abraços!
(paulo corrêa)

6/1/07 16:54

 
Blogger Henry Villela said...

Valeu. Sobre o encontro agora acho que já dá para marcar.

8/1/07 00:00

 
Blogger SJN said...

Ótimo! Eis uma cena do cotidiano verde amarelo! Entre passes e passos se forma o dia-a-dia de alguns garotos que dormem e acordam com um grande objetivo: O gol! Não importa se o gramado verde e macio fica apenas nos sonhos, basta uma bola, de meia, do gás, de couro ou outro material qualquer!

Abraço Henry!

9/1/07 07:22

 
Blogger Henry Villela said...

São desses lugares que surgem os bons boleiros. O tipo de bola e calçado é o que menos importa. O que vale é a festa do futebol.

9/1/07 21:55

 

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