24 de julho de 2007
Deus e o Diabo em Limeira
Último domingo do mês. É dezembro e o dia está quente pra cacete. Passo em frente ao Cemitério Saudade 1 e vejo dezenas de viúvas carregando baldes e vassouras para lavar a consciência e até túmulo dos maridos. Na porta do cemitério um sanfoneiro toca uma música melancólica. Aproximo-me e enfio a mão no bolso para lhe dar algum trocado. O sanfoneiro, um homem de 60 e poucos anos, magro, sisudo e com o cabelo tingido de preto pára de tocar e me impede de dar dinheiro. Pergunto por que? E, ele responde dizendo que toca para Deus.
Desisto de entrar no cemitério e sigo paralelo ao muro. O cheiro de flores me dá enjôo. Continuo caminhando olhando para calçada. O céu em pouco segundos escurece. Algo desde do alto rodeado por uma luz dourada. Os carros avançam o sinal e uma batida entre um corcel 2 prata e um fusca bege congestiona o trânsito.
A luz se aproxima até encostar ao chão. O dourado se dissipa e então vejo que Deus desceu em Limeira. Nada de mais. Um homem branco, magro, cabelos curtos, barba feita, uma bata azul e uma sandália de couro. Seu rosto lembra um pouco Woody Allen.
Penso em aproximar, mas não consigo. A terra treme. Por um segundo sinto um cheiro forte de enxofre. O chão começa a se abrir alguns carros que estavam na rua são sugados para dentro de terra. Um vapor sobe do chão seguido por uma explosão que espalha fogo a pelo menos uns dez metros de altura. Um totem do Mcdonalds que há na esquina próximo do Sempre Vale, derrete e despenca sob o estacionamento lotado de carros. Do meio do fogo, aparece o cangaceiro Lampião montado em uma mula. Um vendedor de caldo de cana, escondido atrás de seu carro me pergunta que estava acontecendo. Respondo de imediato: É Deus e o Diabo em Limeira.
Eles caminham até ficar frente-a - frente: e juntos dizem que é o dia do Juízo Final.
Deus pergunta para o Diabo onde quer aconteça a luta. Sem pestanejar o capeta aponta para baixo e diz que quer acertar as contas dentro do campo do Galo. Dois “flanelinhas” que estavam próximos descem a galope, na esperança de ganhar uns trocados com o movimento que iria ser gerado com o anúncio do combate.
Uma multidão alvoroçada desce em peso para o Pradão. Na entrada, já havia cartazes escritos à caneta colocados antes da catraca: inteira R$ 10 estudantes e aposentado R$ 5. Não podia perder essa luta. Compro uma cerveja de uma ambulante e caminho em direção ao campo. O maldito porteiro não me deixa entrar com a lata. Dou um belo gole e vou para as arquibancadas.
No campo, a torcida esta equilibrada. Sento no alto perto de uma mureta. A torcida vai ficando impaciente, já que haviam se passado duas horas e ninguém havia aparecido. Aos poucos o estádio vai esvaziando. Eu sou um dos últimos a sair. Quando saio pela portaria principal ouço um comentário de um senhor de uns 70 anos, que estava escorado no muro abraçado com uma garrafa de cachaça: “Acho que Deus desistiu quando viu que lutando aqui estaria em desvantagem”.